25 de outubro de 2010

Regando a saudade




Basta uma lágrima cheia 
De uma saudade de tudo.

Afonso Lopes Vieira
Cancioneiro III

..... ..........;;;;;;;;;;;...;;;;;;;.....a propósito...


Deviam chover lágrimas quando
 o coração nos pesa muito.

António Lobo Antunes
Ontem Não te Vi em Babilónia

Imagem: Maciej Toporowicz, NYC/Getty Images




19 de outubro de 2010

Um mar depois do mar


Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito
e a noite se faz barco,
e a minha mão marinheiro.

Eugénio de Andrade
Arte de Navegar

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto
O amor, meu amor


Imagem: David de Lossy/Getty Images

11 de outubro de 2010

O amor


Deus — talvez esteja aqui, neste
pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,
de ti, em mim ficou. Está nos teus
lábios, na tua voz, nos teus olhos,
e talvez ande por entre os teus cabelos,
ou nesses fios abstractos que desfolho,
com os dedos da memória, quando os
evoco.

Existe: é o que sei quando
me lembro de ti.


Nuno Júdice



Imagem: Burazin/Getty Imagens




8 de outubro de 2010

Acho que não sou daqui



















paro em sinal vermelho
observo os prazos de validade
bato na porta antes de entrar
sei ler, escrever
digo obrigado, com licença
renovo o passaporte
não engano no troco
até aí tudo bem
mas não sou daqui
também
porque não gosto de samba
de carnaval, de chimarrão
prefiro tênis ao futebol
não sou querida, me atrevo
a cometer duas vezes o mesmo erro
não sou de turma
a cerveja me enjoa
prefiro o inverno
e não me entrego
sem recibo

Martha Medeiros

Poesia Reunida


subscrevo e digo mais:
não jogo lixo na rua
detesto shoppings e
salões de beleza
prefiro vinho a chopp
acordo de bom humor
ouço sem interromper
e não me dou por vencida
nem com recibo.

Imagem Google
(desconheço a autoria)

7 de outubro de 2010

Inverno


O inverno desliza
no corpo que espera.
...
desde que se foi o meu amado
não há almíscar,
o perfume desertou a vida,
o vinho não sabe a prazer.
já não me acolhe, a noite,
é escuridão sem voz .

O vento não se oculta no deserto,
nem fala aos meus quadris
nenhuma dança.

desde que se foi o meu amado
o inverno não se cansa de ser eu.

Silvia Chueire

eu
que longe de ti sou fraca
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
.

Mia Couto
Saudade

Imagem: Keiichi Tsuji/amanaimages/Corbis