29 de junho de 2011

A folha que ainda não caiu


daqui
















O jovem e afoito monge budista pergunta ao velho e lento mestre:
- Mestre, o que é o Amor?
- É a folha que ainda não caiu do galho da cerejeira...
- Como assim, mestre? Se ainda não caiu, essa folha não existe –ao menos 
como folha caída...
- Também o Amor está sempre por fazer-se e nunca se completa.
- Mas a folha acaba caindo...
- Por isso o Amor é a folha que ainda não caiu do galho da cerejeira...



Wilson Bueno
Meu Bem, Meu Mal / Do amor índio e outros amores






Oferecido pelo Marcos Alderico

25 de junho de 2011

Afeto, a maior porta

daqui


O peso dos versos de Mario Benedetti
se equivalem a dimensão do poema.
Assim é.  Que assim seja!


Como fazer-te saber que há sempre tempo?
Que temos que buscá-lo e dá-lo…
Que ninguém estabelece normas, senão a vida…
Que a vida sem certas normas perde formas…
Que a forma não se perde com abrirmo-nos…
Que abrirmo-nos não é amar indiscriminadamente…
Que não é proibido amar…
Que também se pode odiar…
Que a agressão porque sim, fere muito…
Que as feridas fecham-se…
Que as portas não devem fechar-se…
Que a maior porta é o afeto…
Que os afetos definem-nos…
Que definir-se não é remar contra a corrente…
Que não quanto mais se carrega no traço mais se desenha…
Que negar palavras é abrir distâncias…
Que encontrar-se é lindo…
Que o sexo faz parte da lindeza da vida…
Que a vida parte do sexo…
Que o porquê das crianças tem o seu porquê…
Que querer saber de alguém não é só curiosidade…
Que saber tudo de todos é curiosidade malsã…
Que nunca é demais agradecer…
Que autodeterminação não é fazer as coisas sozinho…
Que ninguém quer estar só…
Que para não estar só há que dar…
Que para dar devemos antes receber…
Que para nos darem há também que saber pedir…
Que saber pedir não é oferecer-se…
Que oferecer-se, em definitivo, não é querer-se…
Que para nos quererem devemos mostrar quem somos…
Que para alguém ser é preciso dar-lhe ajuda…
Que ajudar é poder dar ânimo e apoiar…
Que adular não é apoiar…
Que adular é tão pernicioso como virar a cara…
Que as coisas cara a cara são honestas…
Que ninguém é honesto por não roubar…
Que quando não se tira prazer das coisas não se vive…
Que para sentir a vida temos de esquecer que existe a morte…
Que se pode estar morto em vida…
Que sentimos com o corpo e a mente…
Que com os ouvidos se escuta…
Que custa ser sensível e não se ferir…
Que ferir-se não é sangrar…
Que para não nos ferirmos levantamos muros…
Que melhor seria fazer pontes…
Que por elas se vai à outra margem e ninguém volta…
Que voltar não implica retroceder…
Que retroceder também pode ser avançar…
Que não é por muito avançar que se amanhece mais perto do sol…

Como fazer-te saber que ninguém estabelece normas, senão a vida?

Mario Benedetti
Desde los afectos


.....................................................................Versão original aqui


20 de junho de 2011

Vou-me aproximando da minha idade


Deviantart/Cylena
 
Vivo sempre no presente. O futuro não o conheço. 
O passado, já não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo,
o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades. 

Livro do Desassossego

Mas horas há que marcam fundo
Feitas, em cada um de nós,
De eternidades de segundo.
Assim a vida nos afeiçoa

a idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.
Espelho
O título do post foi retirado de um
poema do livro "O Peso da Sombra" 
de Eugénio de Andrade.


16 de junho de 2011

Descobrindo vales

Amanda Com


Desperta-me de noite
com o teu corpo
tiras-me do sono
onde resvalo
E eu pouco a pouco
vou repelindo a noite
e tu dentro de mim
vai descobrindo vales.

Maria Teresa Horta
Desperta-me
 Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono.

Mia Couto 
Despedida


12 de junho de 2011

As mãos e os frutos

Yuri Bonder

Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria primavera,
e como as flores e os animais
abrirás nas mãos de quem te espera.

As mãos e os frutos 
Gosto de você chegar assim
Arrancando páginas dentro de mim.
Lola/1987


 

6 de junho de 2011

Lições de partir

Yossan / Corbis


...Todas as manhãs o aeroporto em frente
......me dá lições de partir.

......Hei-de aprender com ele
......A partir de uma vez
......– Sem medo,
......Sem remorso,
......Sem saudade.

......Manuel Bandeira
......Lua Nova
Alguma vez......
alguma vez talvez......
me irei sem ficar......
me irei como quem vai.......

Alejandra Pizarnik......



3 de junho de 2011

Um oráculo





De tal modo é, que eu jamais negá-lo poderia: sou agarrada na saia da poesia! Para dar um passeio que seja, uma viagem de carro, avião ou trem, à montanha, à praia, ao campo, uma ida a um consultório com qualquer possibilidade, ínfima que seja, de espera, passo logo a mão nela pra sair. É um Quintana, uma Adélia, uma Cecília, um Pessoa ou qualquer outro a quem eu ame me unir. Porque sou humano e creio no divino da palavra, pra mim é um oráculo a poesia! É meu tarô, meu baralho, meu tricot, meu i ching, meu dicionário, meu cristal clarividente, meus búzios, meu copo d'água, meu conselho, meu colo de avô, a explicação ambulante para tudo o que pulsa e arde. A poesia é síntese filosófica, fonte de sabedoria, e bíblia dos que, como eu, crêem na eternidade do verbo, na ressurreição da tarde e na vida bela. Amém!

Elisa Lucinda
Credo


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(desconheço a autoria)