Para sempre me ficou esse abraço.
Por via desse cingir de corpo minha vida se mudou.
Depois desse abraço trocou-se, no mundo,
o fora pelo dentro.
Agora, é dentro que tenho pele.
Agora, meus olhos se abrem apenas
para as funduras da alma.
Nesse reverso, a poeira da rua
me suja é o coração.
Vou perdendo noção de mim,
vou desbrilhando.
E se eu peço que ele regresse é para sua
mão peroleira me descobrir ainda
cintilosa por dentro.
Todo este tempo me madreperolei,
em enfeitei de lembrança.
Mas o homem de minha paixão se foi
demorando tanto que receio me acontecer
como à ostra que vai engrossando tanto a casca
que morre dentro de sua própria prisão.
Mia Couto
A Cantadeira
do livro Na Berma de Nenhuma Estrada
Agradeço a Ava, do blog
Minhas Vidas, pela idéia do título.
Minhas Vidas, pela idéia do título.
Imagem: Thomas Northcut/GettyImages