Não sabes então que me amas, amas muito mais que podes saber? Amas
mesmo sem o socorro da tua consciência. E, se não me amas com a
paixão do meu amor, te ensinarei novamente a amar-me. Não te peço
tempo, dias, horas.
Não te esqueças de, ao sair,
deixar a porta aberta.
Podes perder a chave
e não entrar.
Ou podem roubar-ta,
o que é pior.
Porque são numerosos
os ladrões do azul.
Horas, horas sem fim, pesadas, fundas, esperarei por ti até que todas as coisas sejam mudas. Até que uma pedra irrompa e floresça. Até que um pássaro me saia da garganta e no silêncio desapareça. Eugénio de Andrade
O amor nos suspende, nos arranca de nós mesmos e nos joga no estranho por excelência: outro corpo, outros olhos, outro ser. E é só neste corpo que não é nosso e nessa vida irremediavelmente alheia que podemos ser nós mesmos.
Falar de ti
é falar de tudo o que passa
no alto dos ventos
na luz das acácias
é esquecer os caminhos
apagar o enredo
é pensar as formas do branco
como teu corpo numa praia
branda e azul
tua pele não retém as horas
escorres, liquida
sonora
A tarde avança em lençóis de fumo e tu não bates à minha porta. Enrolo um cigarro de lume para acabar com a dor. Tenho os ouvidos lá fora e o corpo atento. Isabel Mendes Ferreira O Corpo Atento ...
e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia.
na outra margem da noite o amor é possível — leva-me! — leva-me entre as doces substâncias que morrem cada dia na tua memória Alejandra Pizarnik O Olvido Derrame-se sobre mim
o brilho desta manhã de esperança azul. A noite foi só
Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira. ... Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira. Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver. Alberto Caeiro O Pastor Amoroso
Ainda te falta dizer isto: que nem tudo o que veio chegou por acaso. Que há flores que de ti dependem, que foste tu que deixaste algumas lâmpadas acesas. Que há na brancura do papel alguns sinais de tinta indecifráveis. E que esse é apenas um dos capítulos do livro em que tudo se lê e nada está escrito. Albano Martins