Por ti desço até ao fundo da noite, desenraízo o tempo, culmino numa estrela, vivo na imaginação de todas as aves e acendo o futuro, num gesto antecipado.
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.
Não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o leite, a mãe,
o amor, que te procuram. Herberto Helder Poesia Toda
Minha avó dizia: para ser feliz, a gente não precisa sair do lugar, a gente tem que ser o lugar. Ela me advertia com seu olhar de madrepérola. Eu não entendia. Ser feliz para mim era sair de casa, depois da cidade, depois do estado e, se possível, do país. Acreditava que quanto mais longe do início mais perto do final. Julgava a independência um modo de fugir. Descobri que estava errado. Quanto mais longe do final mais perto do começo. A felicidade é uma impressão, uma intensidade, que não há como descrever para os amigos. O que desejamos não se diz, se arde.
Enriqueço na solidão: fico inteligente, graciosa e não esta feia ressentida que me olha do fundo do espelho. Ouço duzentas e noventa e nove vezes o mesmo disco, lembro poesias, dou piruetas, sonho, invento, abro todos os portões e quando vejo a alegria está instalada em mim.