27 de novembro de 2012

Dias quebrados na cintura

Marta Glinska



Hoje dói-me pensar,
dói-me a mão com que escrevo,
dói-me a palavra que ontem disse
e também a que não disse,  
dói-me o mundo.
Há dias que são como espaços 
preparados para que tudo doa.  
Só deus não me dói hoje.  
Será porque hoje ele não existe?

Roberto Juarroz

Um poema

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
  os meus dias quebrados na cintura.

Eugénio de Andrade
 

As Palavras Interditas 


25 de novembro de 2012

Ilha




Deitada és uma ilha.
Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro
ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada
eu morro da vida
que me dás todos os dias.





23 de novembro de 2012

De volta ao começo

Inês Queiroz


Os natais na casa da minha irmã eram fartos de comes e bebes, música, presentes, alegria e amor. Bailava-se salsa, sambava-se, bolerava-se e assistia-se ao meu sobrinho Dani abrir os braços e cantar em alto e bom som: "Viver, e não ter a vergonha de ser feliz...".

A árvore era imensa, e o ritual de abrir o baú a fim de retirá-la, armá-la, rodeá-la de luzinhas e distribuir os adornos pela casa era, também, motivo de grande euforia.

Já o ano de 2002 - o ano da morte do Dani - foi diferente. O baú foi aberto, não pelos motivos citados, mas sim para que fossem doados todos os vestígios de felicidade que, outrora, foram guardados ali. Nunca mais houve árvores, luzinhas, enfeites, danças e músicas. 

Depois desse longo e árduo período recebo, emocionada, via celular, duas fotos e uma pequena mensagem que dizia: "Minha primeira Árvore de Natal depois de 10 anos".

Agora sou eu quem abre os braços e canta: "Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita e é bonita".



22 de novembro de 2012

Despedida



Rozu



E passados os anos, 
tantos que já nem cabem na lembrança,
eu ainda choro como se fosse a primeira despedida. 
Porque esse adeus, só esse aceno é meu, 
todo inteiramente meu. 
Um adeus à medida de meu amor.

Mia Couto
O Fio das Missangas
(via Thiago Cavalcante)

Existe um momento
pouco importa qual
em que se reúnem ao acaso
diante de nós
todas as condições de uma vida
desesperada.

Baldio



21 de novembro de 2012

Vem

Vladimir-Sumovsky




Ven a dormir conmigo:
no haremos el amor: él nos hará.

Rayuela
Vem dormir comigo:
não faremos amor, ele nos fará.

Julio Cortázar
Rayuela



19 de novembro de 2012

Palavras


Vera Gomes Photography



Guardo numa gaveta de velhos objectos
as tuas palavras, até que o bolor
do futuro as apague - para que só eu
saiba o que nunca me disseste.

Nuno Júdice
Remorso
Como é amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.

Daniel Faria
Estranho é o sono que não te devolve




12 de novembro de 2012

Ilha

Luis Andrei Muñoz




Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
E temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois.
Murmúrios do Mar

Depois, digo barco, digo mastro,
digo quilha e somos ilha propícia a navegar.


Graça Pires
Por Caminhos do Sul


8 de novembro de 2012

Noite

Inês Queiroz / Monte Verde/MG


Noite de folha em folha murmurada,
Branca de mil silêncios, negra de astros,
Com desertos de sombra e luar, dança
Imperceptível em gestos quietos.


Noite



1 de novembro de 2012

Beco

e-princess



Que importa a paisagem, a Glória,
 a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco

Poema do Beco
eu tenho sangue na voz
tenho no peito o grito do lobo
a imensa tristeza de uma lua
que o céu não quis
solidão de papel