28 de junho de 2010

A essência da espera




Para sempre me ficou esse abraço.
Por via desse
cingir de corpo minha vida se mudou.
Depois desse
abraço trocou-se, no mundo,
o
fora pelo dentro.

Agora,
é dentro que tenho pele.
Agora, meus olhos se abrem apenas
para as
funduras da alma.

Nesse reverso, a poeira da rua
me suja é o coração.
Vou perdendo noção de mim,
vou desbrilhando.

E se eu
peço que ele regresse é para sua
mão peroleira me descobrir ainda
cintilosa por dentro.

Todo este tempo me
madreperolei,
em enfeitei de lembrança.

Mas o homem de minha paixão se foi
demorando tanto que receio me acontecer
como à ostra que vai engrossando tanto a casca
que morre dentro de sua própria prisão.


Mia Couto 

A Cantadeira
do livro Na Berma de Nenhuma Estrada


Agradeço a Ava, do blog
Minhas Vidas, pela idéia do título
.


Imagem: Thomas Northcut/GettyImages

24 de junho de 2010

União


 













Nos meus braços teu corpo estremeceu,
Desse tremor o meu foi percorrido.
Colados, curva a curva, onde começa o teu?
Onde se acaba o meu? Teu e meu têm sentido?
...
Brandamente, por vezes, te desvio
de mim, para melhor, depois, sentir
que és bem tu que eu agarro, acaricio,
bem tu que eu pude, em mim, fundir.

José Régio

Imagem: Trinette Reed

22 de junho de 2010

Alto-mar

Edward Hopper[Rooms by the Sea]



Esta noite tive um sonho, conheci um homem
que tinha o mar no lugar do coração e quando
sentia o seu corpo contra o meu,
ouvia lá fora a fúria do mar.

Al Berto


Senhor, enche o meu quarto
de alto mar.

Filipa Leal
O Princípio da Oração
do livro O Problema de Ser Norte