30 de janeiro de 2012

Invisibilidade

Yuri Bonder



Essa dor que quando olhas
não compreendes por que não
é de fratura exposta
é de amor sem resposta
a solidão ninguém vê.
 
Líria Porto
Invisibilidade
Dê-me o esquecimento, meu pai.
Dê-me uma noite sem sombra
ou sobressalto, um sono inteiro
um instante sem rumor.
Dê-me teu silêncio, meu pai.
A solidez das pedras, o rigor das coisas
a solidão sem dor.

Prece 



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23 de janeiro de 2012

Dando voz à preguiça


daqui


Eu gosto tanto, tanto, tanto
de estar quieta, muito parada,
de fazer nada, coisa nenhuma,
e de fazer isso, que é não fazer
e de não estar, não ir, também.
Eu cá faço nada e todos
me dizem que faço isso muito bem.

Faço arroz de nada, pudim de nada
(que não é nada, está-se mesmo a ver)
e é tudo muito bom, delicioso,
só por não ser preciso fazer.

Eu faço nada, sou um nadador,
mas não daqueles que nadam mesmo,
O que é cansativo, tão maçador;
é que nadar, cá para mim,
tem um defeito insuportável:
aquele erre que está no fim .

E não digam que não faço nada
porque eu faço isso o mais que posso
e se não faço mais é porque mesmo nada
fazê-lo muito é uma maçada.
Não quero ir. Ainda é cedo.
Que pressa é essa? Não pode ser!
Deixem-me estar porque eu hoje tenho
bastante nada para fazer.

Álvaro de Magalhães
Fala a preguiç

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18 de janeiro de 2012

Asas da solidão



Nunca houve palavras para gritar a tua ausência.
Apenas o coração pulsando a solidão antes de ti
quando o teu rosto doía no meu rosto e eu
descobri as minhas mãos sem as tuas...

De Onde Chegam Estas Palavras?
Não sei sobre pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que minha solidão deveria ter asas.


Alejandra Pizarnik
La Carencia/Las Aventuras Perdidas
(tradução: Carlos Machado)

 ===

Yo no sé de pájaros,
no conozco la historia del fuego.
Pero creo que mi soledad debería tener alas.


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15 de janeiro de 2012

Metade de mim

Fotolog/Aida_sqt


A laranja cortada ao meio,
úmida de amor, anseia pela outra...
É assim, é bem assim que eu te desejo.
Preparativos de Viagem 




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9 de janeiro de 2012

Ângulo

Weheartit / Bruna Kaercher


Mudar o ângulo
para não perder a faculdade
de estranhar. 


Maria José Quintela





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4 de janeiro de 2012

[Des]esperar


Flickr / Wendy aka Gwen2010




No relógio da sala não uma e meia nem sete nem quatro,
trinta e oito da madrugada, duzentas e onze da manhã, 
e uma escuridão infinita.


António Lobo Antunes
Eu Hei-de Amar uma Pedra  
Há muito tempo que te espero.
Há muito tempo que não vens.


José Luís Peixoto
A Criança em Ruínas 

Amigos,
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Estou em falta com quase todos os que comentaram nos dois últimos posts. 
Retribuirei, na medida do possível.




27 de dezembro de 2011

Ano Novo

Deviantart/jennyriot



Um brinde ao que está sempre em nossas mãos
A vida inédita pela frente
E a virgindade dos dias que virão!

Libação



 
Desejo a todos os amigos que durante o ano de 2011
navegaram pelas serenas e, por vezes, inquietantes águas desses 
rios, e aos que, porventura, navegarão, um 
Feliz e Próspero Ano Novo! 

12 de dezembro de 2011

Sonho

daqui






Quem não sonha o azul do vôo
perde seu poder de pássaro.

Thiago de Mello
Sonho Domado
é por isso que... 
Para encontrar o azul
eu uso pássaros.

Manoel de Barros
Retrato do Artista Quando Coisa




6 de dezembro de 2011

A tua mão



Quando a tua mão pousou
sobre a minha mão
nesse rastro de ave
nesse peso de folha
eternizou-se o instante.

Maria de Lourdes Hortas
A tua mão

Não importa quanto vai durar
- é infinito agora.


Caio Fernando Abreu






1 de dezembro de 2011

Fragilidade é força

Scott Barrow/Corbis


As coisas mais rápidas são as mais maleáveis. Um pássaro é ativo porque é maleável. Uma pedra não tem nenhuma chance porque é rígida. A pedra, por sua própria natureza, vai para baixo porque rigidez é fraqueza. O pássaro pode, por sua própria natureza, ir para cima, porque fragilidade é força. O orgulho é a resistência que empurra para baixo.

Ortodoxia




28 de novembro de 2011

Para um amor ausente

Fotolog/teesperare4ever



Penso em ti como um desejo interrompido
que se teceu na minha memória.
E sonho-te mais do que te recordo.
Seleciono. Invento-te um nome, um rosto.
Reconstruo. Reconstruo-te.
Peça a peça.
Minuciosamente – real ou irreal,
- Assim te lembro.


Fragmentos de um Discurso Amoroso [7]
(ou carta quase póstuma para um amor ausente)  

na outra margem da noite
o amor é possível

leva-me

leva-me entre as doces substâncias
que morrem a cada dia em tua memória.
 ===

en la otra orilla de la noche 
el amor es posible
--llévame--
llévame entre las dulces sustancias 
que mueren cada día en tu memoria.
El Olvid

 

22 de novembro de 2011

O menino aprendeu a usar as palavras

Kenji Hayashi/amanaimages/Corbis



O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando
ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
Exercícios de Ser Criança 

Para Thiago.
Um brinde pela conclusão do seu curso de Literatura Comparada.
Sim, o menino ainda existe, meu amigo.


15 de novembro de 2011

Mãos

Getty Images/Barnaby Hall



Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender.

Coral/Obra Poética

Asas que fossem, tuas
mãos podiam
tocar a íntima
nervura do silêncio.

Vocação do Silêncio 



4 de novembro de 2011

Meio-termo

Vincent Besnault/zefa/Corbis



Não deixe portas entreabertas.  Escancare-as ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas passam apenas semiventos, 
meias verdades e muita insensatez.
 
Calçada de Verão


Se não brilha mais, não insista.
Lâmpada queimada não se arruma.
Se troca por outra.



    


31 de outubro de 2011

Resíduo




Pois de tudo ficou um pouco
 Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.



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Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira/MG, em 31 de outubro de 1902 e morreu em 1987, aos 84 anos. Hoje estaria completando 109 anos.